Decorrente das mudanças climáticas, fenômeno de curta duração e forte intensidade depende de um humano para ser identificado. Objetivo de tecnologia é prever – e alertar – eventos climáticos extremos.
As informações das condições climáticas que levaram à seca-relâmpago que agravou incêndios no Pantanal e às chuvas extremas no Rio Grande do Sul foram capturados por satélites e sistemas de monitoramento que armazenam milhões de dados. Interpretar os números e padrões – antes de as tragédias acontecerem – é um dos desafios dos especialistas.
Para otimizar esse trabalho, que as mudanças climáticas tornam mais urgente, um pesquisador brasileiro está treinando um modelo de inteligência artificial (IA). O professor Humberto Barbosa, meteorologista da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), desenvolveu um algoritmo para detectar secas-relâmpagos.
Diferente do lento processo de desertificação tradicional, a seca-relâmpago é um evento extremo climático de curta duração e forte intensidade. Segundo Barbosa, é uma nova tipologia de seca, decorrente das mudanças climáticas.
“Diante das emergências climáticas e enorme volume de dados históricos, usar a IA contribui para uma melhor estimativa futura destes eventos climáticos extremos. É um avanço tecnológico, considerando que os modelos climáticos atuais não possuem habilidade para detectar secas-relâmpagos”, afirmou o pesquisador.
Os modelos meteorológicos atuais estimam variáveis como chuva, temperatura e vento, mas não preveem fenômenos climáticos. Hoje, a previsão de secas ou inundações depende da interpretação dos especialistas – humanos.
Para identificar o novo fenômeno, os pesquisadores usaram um recurso de IA chamado de Redes Neurais Convolucionais (CNNs). Este mecanismo é muito utilizado para o processamento de imagens. Ele utiliza camadas de filtros para detectar características e padrões na imagem. As redes neurais hoje são utilizadas desde o reconhecimento facial até a descoberta de doenças em imagens de raio-x.
O estudo conduzido por Barbosa foi desenvolvido no Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélites (Lapis), da Ufal, em parceria com universidades da Alemanha e da Índia, e publicado na revista Atmosphere no final de junho. Barbosa é um dos maiores estudiosos em desertificação no país – há 20 anos se debruça sobre o tema.
“O objetivo principal é fazer a IA identificar secas-relâmpago sem interpretação do homem, mas alimentada com dados observacionais por satélite e treinada com o conceito definido pelo homem”, explicou o pesquisador.
Como o treinamento foi feito
Para o treinamento da máquina, Barbosa forneceu um conjunto de dados referentes à uma grande seca no semiárido brasileiro em 2012. E deu certo: o modelo conseguiu prever o que aconteceu.
O pesquisador explica que usou referências de um episódio no passado para que pudesse validar as conclusões do algoritmo.
Naquele ano, a seca-relâmpago que atingiu a região durou 28 dias, mas acabou influenciando uma seca tradicional que durou seis anos – evento de maior duração já registrado no Brasil desde 1860, segundo Barbosa.
O próximo passo é aprimorar a tecnologia para que a inteligência artificial ajude a detectar, prever e alertar eventos climáticos extremos – e assim facilite a adaptação e a mitigação dos impactos.
“No futuro, a IA com dados de alta frequência poderá ser mais eficiente do que nós climatologistas”, disse o pesquisador.
Dados de alta frequência são conjuntos de dados com muitas repetições. Por exemplo: informações a cada cinco minutos sobre a umidade do solo. Quanto menor o intervalo de tempo entre a coleta de dados, ou seja, quanto maior a frequência, mais subsídio os especialistas têm para observar os fenômenos climáticos.
O mapa de monitoramento do solo feito pelo Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélites, da Ufal, mostra que nos últimos três meses, secas-relâmpago atingiram drasticamente o Centro-Sul do país.
De acordo com o laboratório, isso ajudou a intensificar os incêndios no Pantanal. O fogo está consumindo o bioma há mais de três meses. Mais de 764 mil hectares foram destruídos, o que deixa um rastro de devastação ambiental e morte de animais.
De acordo com o mapeamento, grande parte da Amazônia brasileira, Centro-Oeste, Sudeste e Sul continua sob impacto das secas-relâmpago (veja os pontos em laranja e vermelho no mapa acima).
As secas-relâmpago são caracterizadas por períodos abruptos de pouca chuva, levando ao início de uma seca repentina, acompanhadas por altas temperaturas. Ela faz com que as lavouras sejam perdidas de forma muito mais rápida do que durante as longas secas convencionais, quando o processo era mais lento e gradativo.
A previsão é que na maior parte do inverno a estiagem predomine em grande parte do Centro-Sul, com chuvas abaixo da média histórica.
O pesquisador destaca que as secas-relâmpago tem como próximo destino a Amazônia brasileira.
“Isso será muito mais impactante do que está sendo no Pantanal, se não tiver uma resposta rápida por parte do Ministério do Meio Ambiente, na Amazônia será muito maior”, alertou Barbosa.